Boa parte da música popular do ocidente tem alguma forma de influência
direta ou indireta da África. O violento tráfico de escravos para as
Américas levou também ritmos tradicionais que deram vida a estilos
variados, do blues ao samba, passando pelo jazz, salsa, rumba e dezenas
de outros gêneros.
Ouça um especial GloboRadio com os artistas selecionados pelo G1
Apesar disso, poucas pessoas fora do continente africano sabem o que é
um likembé, uma morna ou um highlife. Aproveitando o clima da Copa do
Mundo, disputada pela primeira vez na região, o
G1
listou 15 álbuns para conhecer a música africana. Do mais tradicional ao
mais moderno, a lista é um passeio por gêneros como o afrobeat e o
kuduro, e destaca nomes importantes para a música do continente, como
Fela Kuti, Ali Farka Touré e Miriam Makeba.
A lista foi elaborada a partir do livro “The Rough Guide to World Music
– Africa”, um dos melhores volumes sobre música africana disponíveis.
Com o espaço limitado para falar da música de um continente com 1 bilhão
de habitantes e 54 países, artistas e gêneros importantes ficaram de
fora – da Orchestra Baobab à Angelique Kudjo, do raï ao soukous.
Confira abaixo a lista completa
Miriam Makeba - 'Pata pata' (Foto: Divulgação)
Miriam Makeba – “Pata pata”
Apelidada de Mama África, a cantora sul-africana Zenzile Miriam Makeba
tornou mundialmente conhecida a música do país depois do hit “Pata pata”
— também registrada por Daúde e Carlinhos Brown em 1997.
Gravada originalmente em 1956, a música só estourou mesmo em 1967,
quando uma compilação homônima foi lançada. O álbum tem um pouco de
todos os estilos que consagrariam a cantora como uma das mais
importantes do continente. Há faixas em inglês (como a balada “What is
love” e “West wind”, que remete ao estilo de Nina Simone), em português
(“Adeus, Maria Fulô”, parceria de Sivuca e Humberto Teixeira) e nos
idiomas locais (caso de "Jol’inkomo" e da própria “Pata pata”).
Assim como Fela Kuti, Makeba foi uma intensa ativista política, o que
lhe custou um exílio de 30 anos. A cantora era dada como atração certa
na abertura da Copa do Mundo da África do Sul, mas faleceu em novembro
de 2008, aos 76 anos.
Mulatu Astatke - 'Mulatu of Ethiopia' (Foto:
Divulgação)
Mulatu Astatke – “Mulatu of Ethiopia”
Primeiro africano a se formar na Berklee College of Music, em Boston —
de onde saíram vários jazzistas americanos —, o etíope Mulatu Astatke é o
artífice por trás do que se convencionou chamar de Ethio Jazz, uma
mistura da música tradicional etíope com o jazz americano.
Esta combinação resultou no álbum “Mulatu of Ethiopia”, de 1972, o
primeiro que trouxe as melodias hipnóticas que caracterizam sua obra,
mais distantes da pegada caribenha de suas primeiras gravações em
território norte-americano.
Apesar de sua música ser eminentemente instrumental, com suas (poucas)
canções espalhadas ao longo dos (poucos) álbuns, e consequentemente
menos acessível ao grande público, Mulatu teve sua obra redescoberta em
2005, quando quatro de suas músicas foram incluídas na trilha do filme
“Flores partidas” (“Broken flowers”), de Jim Jarmusch.
Manu Dibango - 'Soul makossa' (Foto: Divulgação)
Manu Dibango – “Soul makossa”
O cosmopolita saxofonista Manu Dibango é considerado o “embaixador
musical de Camarões”. O músico já morou na França, Bélgica, Congo e
Costa do Marfim, mas nunca abandonou suas raízes camaronesas, e ainda é
amado no seu país natal.
Misturando o funk norte-americano com a makossa, ritmo pop camaronês,
Dibango ajudou a criar a disco music moderna com sua faixa “Soul
makossa”, de 1972. A batida hipnótica chamou a atenção do DJ David
Mancuso, e a música virou um dos maiores hits do Loft, casa noturna
responsável pela explosão disco em Nova York.
Durante as décadas seguintes, Dibango passou a ter um papel ainda mais
importante na world music, tocando com MCs britânicos, grupos cubanos e
bandas de salsa. Sua “Soul makossa” também seguiu sendo redescoberta de
tempos em tempos, sampleada por Michael Jackson (em “Wanna be startin’
something”) e mais recentemente por Rihanna em “Don’t stop the music”.
The Masters Musicians of Jajouka - 'The pipes of
Pan' (Foto: Divulgação)
The Master Musicians of Jajouka – “The pipes of Pan at Joujouka”
Tocando apenas flautas e percussão, esse grupo de músicos faz parte de
uma tradição centenária de música de transe sufi (vertente mística do
islamismo). Escondidos na vila de Jajouka (ou Joujouka) em uma região
montanhosa do norte do Marrocos, os músicos passam a arte de pai para
filho.
O mundo ocidental começou a conhecer a tradição a partir dos relatos de
escritores beats que visitaram a região nos anos 50, como William
Burroughs e Brion Gynsin. Em 1968 Brian Jones, dos Rolling Stones,
gravou pela primeira vez o grupo, mas o disco só foi lançado em 1971,
após a sua morte.
O grupo se dividiu em dois após a morte do líder Hadj Abdessalem Attar.
A versão liderada por Bachir Attar, filho de Hadj, ganhou as bênçãos do
mundo pop e já gravou com artistas como o papa do free jazz Ornette
Coleman, o guitarrista do Sonic Youth Lee Ranaldo e também com os
Rolling Stones, na faixa “Continental drift” de 1989.
Vários artistas - 'The Rough Guide to highlife' (Foto:
Divulgação)
Vários artistas – “The Rough Guide to highlife”
Nascido após a Segunda Guerra de uma mistura de música caribenha, swing
e ritmos locais de Gana como o osibisaba, o highlife é um dos gêneros
mais representativos da música da África ocidental.
Inicialmente tocado por big bands parecidas com os grupos de jazz
norte-americanos, o highlife incorporou as guitarras elétricas nos anos
60, em um estilo clean e facilmente identificável, sempre acompanhado da
percussão dançante. Mais tarde, nos anos 90, o gênero se fundiu com
hip-hop e ragga, criando o “hiplife”.
A coletânea da série “Rough Guides” traz os artistas mais
representativos das primeiras fases do estilo, com a orquestra de E.T.
Mensah representando as “bandas dançantes” de highlife e grupos como
Nana Ampadu & the African Brothers apresentando a fase posterior,
dedicada às guitarras.
Fela Kuti - 'Roforofo fight' (Foto: Divulgação)
Fela Kuti – “Roforofo fight”
Multi-instrumentista, produtor, arranjador e ativista político, o
nigeriano Fela Anikulapo Ransome Kuti foi o pioneiro do Afrobeat, estilo
que funde jazz, funk e psicodelia aos tradicionais cânticos africanos.
Entre incursões pela Europa, África e América, lançou quase 70 álbuns em
30 anos de carreira.
Um dos destaques de sua discografia é “Roforofo fight “, de 1972, que
traz a essência do Afrobeat em quatro longuíssimas faixas — uma
característica de sua obra. Percussão, metais e riffs de guitarras
repetidos à exaustão fazem contraponto ao chamado “call-and-response”
(“chamada e resposta”), entre voz principal e coro.
Sua conturbada vida pessoal lista algumas curiosidades: casou-se com 27
mulheres em uma mesma cerimônia; foi candidato à presidência da
Nigéria; e foi preso ao desafiar o regime político corrupto do país.
Fela Kuti morreu em 3 de agosto de 1997, aos 59 anos, em consequência de
complicações decorrentes da aids.
Vários artistas - 'The indestructible beat of Soweto'
(Foto: Divulgação)
Vários artistas – “The indestructible beat of Soweto”
Esta compilação de 12 faixas gravadas na primeira metade da década de
80 ganhou notoriedade por vários motivos: serviu de inspiração para
“Graceland”, e Paul Simon; introduziu artistas dos guetos de
Johanesburgo e Durban, como Mahlathini e Moses Mchunu, ao mainstream da
música internacional; e apresentou ao mundo o gênero africano mbaqanga —
um estilo popular, baseado em guitarrras ritmadas e sinuosas linhas de
baixo.
O grupo vocal Ladysmith Black Mambazo, que mistura um pouco da tradição
gospel americana à essência do canto original africano, também foi
revelado graças à canção “Nansi imali”, incluída na coletânea — o
conjunto acabou sendo convidado por Simon para participar de “Graceland”
posteriormente.
“The indestructible beat of Soweto” fez tanto sucesso que chegou a ser
reeditado várias vezes. Também deu origem a volumes posteriores, numa
série batizada “The indestructible beat”, lançado pelo selo Earthworks.
Drummers of Burundi - 'Drummers of Burundi'
(Foto: Divulgação)
Drummers of Burundi – “Drummers of Burundi”
O pequeno país de Burundi, encravado entre a República Democrática do
Congo e a Tanzânia, mantém um dos mais tradicionais grupos percussivos
do mundo.
Tradicionalmente ligados à realeza local, os Drummers of Burundi (nome
que o grupo ganhou quando saiu em turnê pela Europa nos anos 80)
pertencem a uma casta de músicos que se apresentam apenas em ocasiões
especiais.
Os espetáculos incluem apenas dança e percussão, onde os músicos se
reúnem em um semicírculo tocando seus tambores feitos de troncos de
árvores e se revezando para tocar um tambor maior, no centro do palco.
As apresentações são tão intensas que nunca ultrapassam 40 minutos de
duração, e já levaram o grupo ao redor do planeta. Eles serviram de
inspiração para a criação do festival WOMAD, um dos principais eventos
de world music, e já gravaram com artistas como Echo & The Bunnymen e
Joni Mitchell.
Paul Simon - 'Graceland' (Foto: Divulgação)
Paul Simon – “Graceland”
Paul Simon é um artista norte-americano, mas não há como ignorar a
belíssima reverência à música africana feita pelo cantor neste disco de
1986. O repertório conta com 11 canções, todas gravadas em parceria com
músicos da África da Sul, Senegal, Nigéria, Malawi e Zimbabwe.
O que talvez seja o seu trabalho mais eclético — incluindo aí os anos
ao lado de Art Garfunkel, com o qual formou a dupla folk Simon &
Garfunkel nos anos 60 — é também considerado um dos pilares do que foi
convencionado chamar de “world music”. Vendeu 14 milhões de cópias e
ganhou o Grammy de Álbum do Ano de 1986, entre outros prêmios.
O maior êxito de “Graceland” é o equilíbrio entre a sonoridade pop e os
elementos musicais africanos, como vocais à capella, percussão e bases
de acordeon, afora participações especiais de Miriam Makeba (em “Under
african skies”) e Ladysmith Black Mambazo (em “Diamonds on the soles of
her shoes”), entre outros artistas africanos.
O próprio Simon diria mais tarde que considera a faixa-título a melhor música que já compôs.
Ali Farka Touré - 'The source' (Foto: Divulgação)
Ali Farka Touré – “The source”
Com sua voz anasalada e seu estilo único na guitarra, o músico malinês é
considerado o “John Lee Hooker africano”. Touré trouxe o blues de volta
às raízes africanas, fundindo o estilo com músicas típicas do caldeirão
de ritmos que é o Mali – entre a África equatorial, o Saara e o
Atlântico.
Touré se tornou um dos músicos africanos mais conhecidos em todo o
mundo, e colaborou com artistas ocidentais como Ry Cooder e os
Chieftains.
“The source”, gravado com participações do guitarrista norte-americano
Taj Mahal em 1993, é um bom início para a música de Touré. Blues mais
formais, como em “Mahini me”, se misturam com faixas mais próximas da de
estilos árabes, como “Goye kur”, criando um novo mapa para a música de
origem africana.
Cesária Évora - "Sodade" (Foto: Divulgação)
Cesária Évora – “Sodade – Les plus belles mornas de Cesária”
A cantora de 68 anos já cantava a melancolia dos amores desfeitos e o
isolamento do arquipélago de Cabo Verde, onde nasceu, antes mesmo de
completar 20 anos. Não à toa transformou-se na rainha da morna, o
equivalente africano ao blues norte-americano ou ao fado português.
Como o próprio título sugere, a “diva dos pés descalços” — maneira como
sobe ao palco, em solidariedade aos sem-teto e às mulheres e crianças
pobres de seu país — reúne nesta coletânea lançada em 1995 algumas de
suas mais belas mornas, com destaque para a faixa-título, “Destino
negro” e “Separação”. Ao ouvi-lo, Caetano Veloso declarou Cesaria uma
das cantoras mais influentes do mundo.
A relação com o Brasil, aliás, é bastante estreita: já gravou com o
próprio Caetano, com Marisa Monte e Gal Costa. Além disso, já se
apresentou no país por diversas vezes. Na primeira, em 1994, realizou um
sonho: conheceu pessoalmente a veterana cantora carioca Ângela Maria,
de quem é fã desde a adolescência.
Aos 68 anos, e mesmo depois de um AVC (acidente vascular cerebral)
ocorrido durante turnê pela Austrália, em 2008, prossegue como uma das
vozes mais representativas do continente africano.
Konono No 1 - 'Congotronics' (Foto: Divulgação)
Konono Nº 1 – “Congotronics”
Liderado pelo octagenário Mawangu Mingiedi, o coletivo de Kinshasa
comanda festas na periferia da capital da República Democrática do Congo
ao som de seus likembés (espécie de pianos de dedo, parentes da
kalimba) amplificados artesanalmente.
Nascido próximo da fronteira com Angola em uma vila do grupo étnico
bazombo, Mingiedi adaptou a música tradicional com a qual cresceu para o
som do grupo.
Além de tocarem com artistas como Björk e Herbie Hancock, eles
influenciam a música local, e já se tornaram sinônimos de banda de
festa. “As pessoas falam, ‘fulano vai casar, a gente tem que contratar
um konono’. Por isso somos o Konono Nº 1, somos os primieros”, explica
Mingiedi em uma reportagem da revista “The Wire” em abril deste ano.
Tinariwen - 'Aman iman' (Foto: Divulgação)
Tinariwen – “Aman iman”
Misturando rock ocidental com ritmos tradicionais da região do deserto
do Saara, os tuaregues do Tinariwen (“Desertos”, em Tamashek) usam a
música como arma de resistência. O Tinariwen é uma criação de Ibrahim Ag
Alhabib, músico nômade que viveu na região saariana de diferentes
países do norte africano e que montou a banda para tocar em casamentos e
festejos no início dos anos 80.
Influenciado por artistas como Jimi Hendrix e Santana, Alhabib foi um
dos inventores do som moderno dos tuaregues, conhecido localmente como
“guitar”. Ele também é um rebelde a favor da causa tuaregue, povo nômade
do sahel (área entre as florestas equatoriais e o deserto do Saara)
oprimido por diferentes ditaduras da região – membros do grupo já
lutaram contra governos da Líbia, Mali e Algéria nos anos 80 e 90.
Celebrado por artistas como Thom Yorke (Radiohead) e Bono (U2), o grupo
ultrapassou a fama no circuito da world music com o disco “Aman iman”
(“Água é vida”), de 2007, com suas guitarras roqueiras – às vezes cheias
de efeitos, como em “Assouf” – e vozes únicas, entre o lamento e a
celebração.
Amadou e Mariam - 'Welcome to Mali' (Foto: Divulgação)
Amadou & Mariam – “Welcome to Mali”
Naturais de Mali, Amadou Bagayoko e Mariam Doumbia formam uma dupla de
músicos cegos. Ela canta. Ele toca guitarra. Ficaram conhecidos por
misturar uma incrível quantidade de estilos, que vão desde o blues
típico de seu país até ritmos cubanos, egípcios e indianos. A partir dos
anos 80, tornaram-se um dos projetos musicais mais influentes,
originais e criativos da África Ocidental.
O álbum “Welcome to Mali” foi considerado um dos grandes lançamentos do
ano de 2008. Produzido por Damon Albarn (Blur, Gorillaz), o disco traz
15 músicas que flutuam entre o pop contemporâneo e as raízes da música
africana. Traz canções folk, mas sem dispensar elementos eletrônicos em
parte do repertório. Foi considerado o disco do ano de 2008 pelo site
“Metacritic”, que reúne resenhas e críticas especializadas em música,
literatura, cinema, TV, games e artes.
Este ano, participaram do show de abertura da Copa do Mundo da África e
lançaram a autobiografia “Away from the light of day”, publicada na
Inglaterra pela Editora Route.
Vários artistas - 'Akwaaba sem transporte' (Foto:
Divulgação)
Vários Artistas – “Akwaaba sem transporte”
Criado nos anos 90 nos musseques (favelas) de Luanda por artistas como
Tony Amado e Se Bem, o kuduro mistura a vertente mais acelerada da house
music com ritmos locais como o kilipango e o semba. No início dos anos
2000, uma nova geração reinventou o estilo, adicionando elementos de
hip-hop, ragga e música caribenha, revelando uma nova de geração de MCs.
O estilo chegou à Europa através da grande comunidade angolana de
Portugal, e de lá ganhou o mundo, incluindo o Brasil – no carnaval de
2009 o grupo de samba duro baiano gravou uma faixa chamada “Kuduro”, em
homenagem ao gênero.
Além das rimas, um dos elementos mais importantes do kuduro são as
danças frenéticas com atenção especial nos quadris quase parados (daí o
nome do estilo).
A compilação do selo francês Akwaaba Music é a primeira coletânea
internacional de kuduro tipicamente angolano, trazendo alguns dos nomes
mais importantes do gênero, como Puto Prata, Bruno M, Vagabanda, Noite e
Dia e o DJ Killamu.